Lua Negra
Amo demais que até ferida brota
na cálida, escondida lua negra
dos meus delírios (dor que desintegra
calma desnuda em chuva de gaivota).
Os olhos choram mares, geram grotas,
fabricam densa nuvem que se integra
ao corpo equivocado pela entrega
sofrida num adeus desfeito em gotas.
Amo demais, eu sei, mas o que faço
se de outro jeito não conheço o amor?
A minha sina é nunca combater
o que me atrai e gera descompasso.
Se por um lado existe o dissabor,
tenho da vida a flor que vi nascer.
O amor é tão perfeito quando durmo,que mal me dá vontade de acordar!Mas não tem jeito – o dia vem soturnoe o sonho acaba. É duro acreditar.
O amor no sonho é como o deus Saturno,num farto, afoito e intenso festejar;o adeus ao laço – algoz e taciturno –que avilta, agride e evita o libertar.
O amor de sonho é sempre um aconchego;permite ao colibri (que não descansa)um beijo à flor que finge desapego.
Amor assim é sábado constante;acalma o que guardado a dor alcançae afasta a realidade lancinante.
Infinda Solidão
Por quem me tomas quando o amor que sinto
da carne dista, é sensação do peito?
O anseio que me assola é puro instinto
guardado no sonhar sem preconceito.
Por quem me tomas neste labirinto
de dor e medo e cheio de defeito?
O meu sentir não pode ser extinto
por conta de um conflito sem efeito.
Por ora busco alguma direção
para aquietar-me a mente tão doída
que só concebe o que não tem razão.
Se eu não achar porém explicação
passível de curar esta ferida,
me entregarei somente à solidão.
Escrever é sorver a dor aos poucos,
é contar a si próprio o que bem sabe,
mas que aflige demais! Por ser tão louco,
faz que a alma, em torpor, logo desabe.
É cruel falar sobre o que machuca!
Mais cruel, entretanto, é não sentir
o que a vida oferece: pura luta
entre o ser complacente e o insurgir.
Se escrever é dar forma a certa ausência
na calada da noite ou mesmo dia,
vou seguir exaurindo a desavença.
Eis portanto o que faz a diferença
entre aquele que vive e contagia
e o que não sente a vida assim intensa.
Vida
Se digo que pra tudo há recomeço
e que a tristeza um dia se desfaz,
é porque o inverno, triste cinza-espesso,
a luz da primavera em si já traz.
Se calo-me e da dor não me despeço
e não censuro o sonho (que é fugaz),
é porque guardo a noite em mim, confesso,
pois nela eu sinto que sou mais capaz.
Fico em silêncio em meio aos meus segredos
enquanto a lua se despede aos poucos
e dá lugar ao sol e seus enredos.
Pairam no ar sementes de verão!
E verdejantes são as suas folhas,
valentes como o dom da floração!
Cicatrizes
O que foi dito, amor, já está guardado,virou história que magoa em vão.E se as palavras voam, na emoçãomeu coração pranteia, amargurado.
O que ficou no meu sentir gravadoé pensamento em plena ebuliçãoque nem por força, nem por ablaçãoconsegue reduzir o desagrado.
Pro que foi dito não há mais remédio,pois que o elixir que abranda não demoveo mal que me causaste - que agonia!
E se o perdão aliviasse o tédioque sinto (mesmo que da dor só prove)estejas certo, é tudo o que eu faria!
Ser mãe é ser alguém que na alvoradabendiz o brilho que anuncia o diatrazendo a luz do sol em sintoniacom o burburinho de uma passarada.Ser mãe é ser a doce madrugadaque põe um fim à mágoa doentia;é ser também a força da magiacurando a febre que se faz calada.Ser mãe é buscar sempre uma saídapara acalmar o coração inquietodo filho que se fecha em seu afeto.Ser mãe é estar atenta para a vida,é ver além do amor que não deu certo,fazendo de sua cria um ser liberto.
Sou da palavra a chama que descreve
e alisa e abraça as causas mais diversas.
Se for de outrem a dor que não prescreve,
faço-lhe minha amante mesmo em trevas.
Se acaso o sopro me lançar à verve
de uma cantiga envolta em densas névoas,
deixo a cadência se verter bem breve
e transformar em flor dores primevas.
Mas se no equívoco da fantasia
eu acordar de um sonho desvalido,
não vou chorar – conheço a ventania!
Sei que adiante a luz que outrora havia
vai ressurgir até no amor premido
por uma febre ardendo em demasia.
Contradança
Sou feito a bailarina que descansa,
entregue após a valsa que entristece
e que a faz, sorrateira em esperanças,
refrear o desejo que emudece.
Tão pouco sei de mim e de você!
(Do riso pulsa a veia latejante)
O espelho em que me vejo é tão clichê!
Reflete até o espaço itinerante!
Assim, quando acordar da contradança,
aguardarei o olhar que me envaidece
e que me faz corar e me enternece.
E entardecendo a dor que não fenece
meus olhos, de cansaço, vão se unir.
À espera, movimento não padece.
Seixos Transparentes
De tanto amor e dor que a ti concedo
meu corpo de minha alma se liberta.
O amor não tem remorsos nem avessos
A dor, porém, fulmina e não me alerta.
É sôfrega a palavra que me invade
em trajes tão secretos e prementes!
Melhor seria a dor em seu contraste
vertendo a seiva em seixos transparentes.
Viver em ti não pode ser promessa
de noite entristecida alvorecer
e nem apaga a dor que em mim professa.
Assim transcendo a busca que não cessa
e a brisa flamejante vem trazer
o aroma do pulsar que me interessa.
© Márcia Sanchez Luz
Márcia, estamos felizes com sua chegada a Literacia, integrando nosso cenário dos brilhantes Colunistas .
ResponderExcluirSeja mais que bem vinda!
anamerij
Obrigada pela recepção, Ana! Já estou me sentindo em casa por conta de seu carinho.
ResponderExcluirBeijos,
Márcia
Márcia mostra todo o seu talento e a razão por estar figurando entre os maiores poetas atuais.
ResponderExcluirBeijos, amiga!
Jorge
Procede sua alegria por publicar em Literacia a sua excelente poesia. Obrigado por compartilhar. Seus sonetos - na qualidade de sempre - abrangem e ferem temas que se integram perfeitamente na linha editorial da Revista. Seu nome de poeta pesa aqui tanto quanto pesam os nomes dos seus parceiros de letras. Parabéns pela coluna - textos e imagens.
ResponderExcluirbeijos.
Marco Bastos.
Nada mais justo que a obra de uma artista como M. S. L. seja cada vez mais disseminada. O mundo — como anda, carente de amor genuíno e coberto de tantas tristes mediocridades — necessita de poesia verdadeira, advinda do âmago da Criação, dos recônditos da Arte e de sincero Amor, como é a poesia dela, essa máquina de sensibilidade e profundez chamada Márcia Sanchez Luz.
ResponderExcluirFabbio Cortez
Parabéns, Márcia. Gosto sempre de te ler. seus poemas são um encanto.
ResponderExcluirUm grande abraço
Lucy Nazaro